quarta-feira, 5 de maio de 2010

ANIMAÇÃO VOCACIONAL

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs

Para falar de Animação Vocacional, tomemos três metáforas: teimosia da vida, as estações do ano e a lição da árvore. Vamos à primeira, que vem da Campanha da Fraternidade de 2008. Sabemos que a natureza dotou todas as formas de vida – vegetal, animal e humana – com a capacidade de reproduzir-se. Consciente ou inconscientemente, a vida gera sementes, filhotes ou filhos com o instinto de perpetuar-se em gerações futuras. Por mais ameaçada que seja, ela luta, teima, recria as condições de sua própria continuidade. A recente emergência do prefixo grego bio (= vida) na mídia em geral e até mesmo na linguagem popular reflete, por um lado, uma ameaça à biodiversidade (a vida em suas diversas expressões) e, por outro, uma reação de estudiosos, ambientalistas e movimentos sociais no sentido de combater essa ameaça e preservar a vida a todo custo.

No caso dos seres humanos, em perspectiva cristã, a reprodução da vida passa pelo sacramento do matrimônio e pela formação da família. Da mesma forma que a família biológica luta para perpetuar sua descendência, a Família Religiosa Scalabriniana também o faz. Os religiosos têm sua maneira de “gerar filhos e filhas”. É aqui que a Animação Vocacional encontra sua razão de ser. Se é verdade que todo o religioso e religiosa é chamado a ser animador vocacional, também é certo que alguns dentre eles são especificamente designados para essa missão de despertar novas vocações religiosas a serviço do carisma. Os meios ou etapas para isso, nós bem os conhecemos: o testemunho vivo de cada padre, cada irmã, cada missionária ou cada leigo scalabriniano; a ação da pastoral vocacional direta e explícita entre as famílias, escolas, comunidades e paróquias; o acompanhamento freqüente dos meninos e meninas que vão manifestando o embrião vocacional do serviço missionário pleno; o esforço conjunto pela perseverança daqueles que, em nossas casas, já se encontram no processo de discernimento e formação.

A segunda metáfora tem a ver com as estações do ano. Em tempos passados, experimentamos com entusiasmo e alegria uma primavera das vocações sacerdotais, religiosas, missionárias e leigas. Hoje tudo indica que estamos no outono. Não é ainda o inverno, mas é inegável que a estação se revela fria e estéril. Ao invés de flores brotando, deparamo-nos predominantemente com as folhas caindo. Evidente que tudo isso deve ser entendido num contexto mais amplo. Vivemos em uma sociedade fortemente apelativa, permissiva, carregada de luzes, sons, objetos e imagens. A criança, o jovem e o adolescente, em sua sede de busca e de sentido, são diariamente bombardeados com uma imensa profusão estímulos de toda ordem: dinheiro, sucesso, sexo fácil, moda, consumo, etc. As seduções chegam de todos os lados e todas as formas. O grande paradoxo é que quanto mais o jovem se deixa levar por esses estímulos, mais tendem a crescer dentro de seu coração e de sua alma a sede, o vazio e o tédio. A água que ele encontra é turva e enganosa. No fundo dessa busca, nós bem o sabemos, há uma sede de Deus, de um sentido mais profunda para a própria existência, de uma razão para construir o futuro.

Onde encontrar a água viva que mata toda sede e todas as sedes? Aqui entra novamente a ação da Animação Vocacional. Trata-se da difícil tarefa de remar contra a corrente. Em meio ao turbilhão de atrações que a sociedade põe à disposição do indivíduo, apresentar o caminho estreito da entrega e da missionariedade. De fato, o caminho largo, aparentemente cheio de opções e realizações, a longo prazo revela-se ilusório: a sede persiste e a desilusão se instala. O caminho estreito, ao contrário, embora inicialmente pouco atrativo, conduz à fonte da água viva. Mas o desafio permanece: como falar deste caminho a jovens e adolescentes cegos pelo brilho dos holofotes e do marketing da sociedade moderna ou pós-moderna?

Além disso, em épocas passadas prevalecia na juventude (e na sociedade em geral) o leitmotiv do bem estar social. Não era difícil encontrar jovens e adolescentes para as mais variadas campanhas de solidariedade. Nos dias atuais, em contrapartida, parece prevalecer o bem estar pessoal, dominando por um individualismo e um isolamento crescentes e doentios. Resulta que o culto ao corpo e à própria imagem, a busca do prazer até mesmo através do álcool e da droga, a onda do “estar numa boa”, a relação supérflua e descartável do “ficar” ao invés do responsável “namorar” – acabam se sobrepondo ao sadio entusiasmo do encontro, da doação e de serviço. Volta o desafio da Animação Vocacional: como falar de entrega e de luta pela justiça a jovens e adolescentes que se desenvolvem como caramujos, voltados para si mesmos?

Por fim, a metáfora da árvore. Em tempos de seca, ela se alimenta dos nutrientes que acumulou na raiz. A lição pode trazer luzes para a Animação Vocacional. Em meio à estação adversa que estamos atravessando, seja em termos de novas vocações como em termos de perseverança, resta a alternativa de “beber do próprio poço”, para usar a feliz expressão de Gustavo Gutierrez. Qual o poço do carisma scalabriniano? De que fontes ele se alimentou ao longo da história? Basicamente de três: a Boa Nova de Jesus Cristo, a intuição de Scalabrini e o desafio das migrações.

Aí está o maior desafio: voltar às fontes, onde a água é mais pura e cristalina. No seguimento de Jesus Cristo, não basta anunciar a Boa Nova com belos discursos. O mais importante é testemunhar a alegria de ser “discípulo e missionário”, como nos alerta o Documento de Aparecida. Não tanto falar de uma Boa Notícia, mas ser essa Boa Notícia entre os jovens e adolescentes de hoje. Evidente que isso exige, de um lado, novo re-encantamento pela mensagem do Evangelho e, de outro, o cultivo de uma intimidade com Jesus Cristo, através da oração e da Eucaristia. Essa prática, por si só, embora não dispense a animação vocacional explícita, será sem dúvida a melhor forma de cativar e chamar o jovem ao caminho do Senhor.

O mesmo vale para a figura de Scalabrini. Também neste caso, não basta conhecer sua biografia, seus escritos e suas obras. Além disso, é preciso seguir-lhe os passos. Convém alertar para o fato de que seguir não é imitar, mas recriar a intuição e sua solicitude pastoral do fundador no contexto dos desafios atuais. Isso é importante porque vemos surgir por aí algumas práticas recentes que visam muito mais uma imitação pura e simples de fundadores e fundadoras, não raro historicamente anacrônica, do que a incorporação do espírito de sua obra diante do mundo contemporâneo.

Quanto às migrações, não é novidade de que elas continuam cada vez mais intensas, complexas e diversificadas. Diagnosticar os males e os valores inerentes ao fenômeno da mobilidade humana leva a descobrir as luzes e sombras na vida dos migrantes. Enquanto para os governos e para a sociedade os migrantes muitas vezes são vistos como “problema”, para a Igreja em geral, e para a Família Scalabriniana em particular, eles devem ser uma “oportunidade”, um potencial evangelizador ou uma profecia a caminho. Quando se movem, eles põem em marcha a própria história e fazem mover-se a Igreja. São protagonistas, ao mesmo tempo, de denúncia e de anúncio. Anunciam as injustiças e assimetrias de um mundo desigual e anunciam a necessidade de mudanças urgentes e necessárias.

A Boa Nova de Jesus Cristo, o exemplo de Scalabrini e as dores e esperanças dos migrantes constituem nossas fontes mais genuínas. Novamente aqui, se soubermos beber dessa água viva, passaremos a ser animadores vocacionais espontâneos, sadios e alegres. O poço revigora as forças do peregrino, dá-lhe novo ânimo e o faz voltar ao caminho. Isso contudo, repetimos, não dispensa a necessidade de pessoas e instrumentos próprios para uma Animação Vocacional específica e sistemática.

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